terça-feira, dezembro 19, 2017

Adriana 5

adriana 5

- Trinta e dois momentos inusitados. Conte-me partes do seu espetáculo ou, se possível, partes do seu desenvolvimento.
- Quais partes mais lhe interessam?
- As mais marcantes, do ponto de vista intrínseco da coisa como um todo. Os arcos.
- Foram tantos...
- Eu sei, por isso mesmo, conte-me alguns.
- Posso começar por Paris?
- Que tal Londres?
- A entediante Europa aristocrática...
- Algo contra?
- Pelo contrario, é só entediante mesmo e você de certo concorda comigo.
- Um pouco. O tédio é sentido mais por aqueles que muito se movimentam, como você.
- Quem sabe ainda estou sob o efeito das drogas jamaicanas.
- Reggae?
- Adoro!
- Voltamos a Londres?
- Devemos mesmo?
- Eu gostaria muito...
- Ok!

Eu tinha vinte e três anos, voltava de uma temporada fantástica na Espanha e não estava a fim de perder tempo, por isso relutei tanto em me instalar na cidade. Após muitas conversas e sem perspectiva de convencimento aceitei o convite e mudei para a casa do Thomas. Ele ainda falava arrastado e tinha o péssimo hábito de andar só de cuecas pela casa. Suas cuecas eram horríveis, esse era o ponto, não tinha nada haver com o fato de ver um homem seminu desfilando pelos corredores.

Cuecas brancas, ele só usava cuecas brancas com costuras azuis, bem aparentes. Não conseguia pensar em outra coisa senão em um daqueles idosos que por conta da idade perde um pouco da sanidade e se torna repetitivo.

- Temos algo além das cuecas? Percebi que isso a incomodou demais.

Não tanto quanto Marry. Tivemos um caso. E antes que pergunte ou que imagine, não sou lésbica, bissexual ou coisa do gênero. Tem coisas que acontecem e não tem explicação.

Marry me incomodou mais do que as cuecas de Thomas e não foi porque fiquei perturbada após nosso flerte...

- Você disse um caso.

E foi um caso, um flerte, uma paquera, só um beijo, alguns carinhos e nada mais. Marry era aluna da senhora Willians e nos encontrávamos todas as manhãs na Portobello Road. Adorava passar por lá todas as manhãs antes de ensaiar para tomar um café, comer alguns croissants, que não chegam aos pés dos franceses, e ler um capitulo do novo livro do Nicholls.

Marry tinha muitas certezas, muitas verdades e pouca vontade. Ela queria tudo, mas não lutava por nada. Um dia ela me quis, nos beijamos e só, ela não teve a mínima vontade de tentar batalhar por mim. Como disse antes, não teve nada a ver com o nosso momento, o que sempre me incomodou foi isso, a falta de vontade dela que contrastava com tudo o que ela dizia querer.

- Ela disse que te amava?

Você insiste em tentar resumir as coisas a cuecas, a um beijo... Já disse que meu momento com a Marry não significou nada. O que quero dizer e você não quer entender, é que tanto ela quanto Thomas não viviam a plenitude de nada, preferiam continuar suas entediantes vidas e talvez por isso, ainda morassem em Londres, essa cidade entediante. O Thomaz ainda deve andar de cuecas pela casa e Marry ainda deve estar contando para alguém que um dia será uma grande mulher.

Imagem do post: Tumblr / Beautiful faces

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