- Cachorros me mordam se eu não sou cantor!
- Sorte a sua não termos cachorros por aqui.
- infelicidade a sua não termos um microfone aqui, pois você e todos seriam agraciados com a minha voz.
Anselmo foi o cantor principal da churrascaria Boi ladrão e todos os finais de semana, com chuva ou com sol, sempre a partir das sete da noite ele começava com a cantoria. Cantava, se é que podemos dizer assim, desde os clássicos da música nacional até os hits internacionais. Destacava-se quando o assunto era Elvis Presley e Frank Sinatra, mesmo que não soubesse uma palavra de inglês. Cantava de uma maneira tão impressionante que muitos acreditavam que ele era fluente no idioma. Evitava o francês e o italiano, mas sempre aparecia alguém pedindo “Ne me quitte pas” e “La solitudine”.
Infelizmente a Boi ladrão não resistiu à crise, aos planos econômicos e faliu. Anselmo ficou sem lugar para mostrar a sua bela voz e seus admiradores, poucos, mas fieis, desconsolados, trataram logo de conseguir um novo palco para ele. Em menos de dois meses Anselmo já estava cantando no Petisco da Preta, um barzinho de esquina muito movimentado e frequentado pela juventude aos finais de semana. É claro que ele teve que renovar o repertorio e incluir clássicos da musica pop. Não foi fácil, mas algumas semanas após a triunfal estreia, onde teve que sair do palco debaixo de uma chuva de frango a passarinho, o publico já não vaiava tanto.
Ele sentiu toda a mudança, perdeu o gosto, já não encarava a coisa toda como um prazer e sim como uma obrigação. Subir ao palco era quase que uma tortura. Cantar sem o mínimo de reciprocidade e ainda por cima canções que não eram do seu agrado, era pior ainda. Vez por outra ele arriscava, sem sucesso, alguma do Nelson Gonçalves ou do Roberto Carlos. Os poucos fãs que conquistou na Boi ladrão também não resistiram e abandonaram seu ídolo, os dias de glória acabaram.
Com três meses de casa Anselmo foi dispensado e uma banda moderna assumiu o seu lugar. Ele nunca mais subiu em um palco novamente e hoje ganha a vida como cobrador de ônibus, sem aplausos, mas com uma grande plateia em seu coletivo.