A água ferveu e ele ficou ali parado olhando para a caneca cheia de pó. Nunca gostei de café, ele sempre adorou, tomava religiosamente todos os dias.
- Não entendo como você pode não gostar de café.
- Não sei como você consegue beber isso dessa maneira.
- Sempre gostei de café e de rum. Hoje gosto mais de rum do que de café, mas se puder misturar, melhor.
- Suas misturas não param, são infinitas, ainda mais assim, logo pela manhã.
- Interessante é que você nunca gostou dos meus hábitos, sempre reclamou da minha rotina, dos meus métodos e da minha camisa verde furada nas costas.
Eu o conhecia tão bem que poderia jurar que ele ainda guarda aquela camisa no armário e só não a esta usando, porque sabe que nunca gostei dela. Desde que nos conhecemos em meados da década de noventa, que fomos unha e carne. Ele tinha aquela barba por fazer, aquele jeito de menino, com uns olhos hipnotizantes. Foi o melhor beijo da minha vida. E será para sempre.
- Abri um bistrô.
- Você sempre gostou dessas coisas de cozinha fresca, de pratinhos, copinhos e afins. Vivia tentando me fazer aprender a comer como aqueles engomadinhos da sua turma.
- Sempre gostei de coisas boas, é diferente.
- E coisas boas precisam de frescura?
- Não são frescuras, fazem parte do todo, mas você nunca vai entender.
- Nunca por quê? Não sou fino demais para isso?
Ainda me questiono o que eu vi nele, porque me apaixonei por alguém sem o mínimo tato, sem o mínimo romantismo. Ele sempre foi aquele grosso incorrigível, nunca soube apreciar um bom vinho, uma comida de qualidade. Para ele sempre foi o macarrão com frango e o rum. Nunca consegui faze-lo mudar e no fundo, nunca quis que ele mudasse, pois o homem pelo qual me apaixonei não poderia ser diferente, pois aí seria igual a todos os outros.
- Você ainda mantém a barba de sempre.
- Tirei uma época, mudei, mas você estava em Londres.
- Iria achar estranho vê-lo com a cara limpa, acho que foi melhor assim.
- Melhor para quem?
- Para nós.
- Engraçado, pois nunca houve um nós. Você decidiu que deveria ir para Londres e pronto, foi isso. Você nunca se importou comigo, foi o que você quis, a sua vontade.
Ele nunca quis sair desse país modorrento, dessa vida tediosa. Fui para Londres viver minha vida e sofri muito por lá, não só pela temperatura, mas também pela frieza das pessoas, das relações. Ele não sabe a falta que me fez. Desde que fui para Londres, até hoje, ainda não havíamos nos visto. Hoje tenho outra vida, estou casada, com dois filhos, mas me falta à paixão, aquela coisa de revirar os olhos e fazer bater mais forte o coração. Isso, só sinto com ele e por ele.