Cantora de boate ganha mais dinheiro que muita profissional por aí. Só porque as profissionais gravam um ou dois discos, aparecem em programas de tv e fazem alguns shows em casas famosas elas se acham a última bolacha do pacote. Eu ganho a vida cantando em boate, muitas vezes para bêbados chatos, gente entediada e outros tipos ainda mais estranhos. Não tenho do que reclamar, ganho bem, faço o que gosto e sou, a medida do possível, feliz.
A vida quis que eu largasse cedo os estudos e fosse trabalhar. Caixa de supermercado, atendente de lanchonete, garçonete em bar, panfletista de calçada, estoquista em farmácia e cantora de boate. Passei alguns apertos, tive algumas dificuldades, mas não esmoreci e nem desisti. Cantar na noite não é para qualquer uma, tem que ter disposição para não enveredar pelo álcool e pelas drogas. A oferta é vasta, ninguém quer o seu bem, querem apenas usar o que você tem. Quando se é jovem a saúde e o corpo inteiro chamam a atenção.
Já não sou a moça de outrora. A juventude castigada pelos abusos em prol de uma felicidade embrulhada em papel de pão perdi cedo demais. Não me arrependo dos arroubos juvenis, não me arrependo de nada que fiz. Consegui evitar os filhos, os ex-maridos, os cobradores e o governo. Não dependo de ninguém para viver minha vida em paz.
A família está espalhada por ai. Minha mãe se foi quando eu ainda não estava preparada para a vida. Nunca conheci meu pai. Irmãos tenho três, estão pelo mundo. Antônia me liga às vezes para pedir dinheiro para as contas, José reclama muito e Carlos tenta me levar para a igreja. Eu só canto em boate, não faço outras coisas, não sou desse meio, apenas sobrevivo dele.
Coloco a boca no microfone, solto a voz e vou. É assim que sei fazer, é assim que faço e é assim que é.
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