- Existe esta possibilidade?
- Qual? De eu ainda ama-lo? Sem chances, hoje sem chances. Talvez ele tivesse me procurado antes e eu pudesse reconsiderar, mas não hoje, não agora. Dói muito ter que dizer isso, afirmar assim sem volta, mas é o que está dentro de mim e o que está dentro de mim diz que não posso resgatar um sentimento que deixamos morrer enquanto tivemos a chance de salva-lo.
Ele deve estar lá envolto com as garrafas de uísque, as taças de vinho e as doses de vodca ou quem sabe perdeu de vez o gosto pelos prazeres da vida e mudou-se para o Tibet. Nunca consegui decifra-lo. Para não dizer que nunca, eu o decifrei em junho, no ano em que nos conhecemos ainda jovens e percebi que era ele. Decifrei o que seus olhos diziam e compreendi que estávamos destinados a ficar juntos para sempre.
Não foi pelo sorriso largo ou pelas mãos firmes que me pegavam forte, foi por nós, por aquilo que sentíamos. Não pulamos etapas, seguimos fielmente o protocolo, e acho que por isso não soubemos como lidar com as situações que a vida nos apresentou. Evoluímos profissionalmente rápido demais, nem deu tempo de curtir a casa, as casas, as conquistas. Nossos dias eram dedicados ao ato continuo de nunca estar satisfeito com o que tínhamos. O apartamento apertado me dá tantas saudades de nossos esbarrões na cozinha, nosso sofá que mal cabia na sala e da cama que tivemos que desmontar para que pudesse entrar no quarto. Éramos jovens, mal havíamos ultrapassado a barreira dos vinte e pensávamos como se já tivéssemos ultrapassado tantas outras barreiras.
A piscina ainda deve existir, o que não existe mais somos nós.
- E o conto de fadas?
- Conto de fadas... Lembro-me bem das histórias que ouvia sobre princesas presas em castelos e príncipes dispostos à salva-las. Nunca fui uma princesa e ele nunca foi um príncipe, não nos dispusemos a salvar um ao outro, não pensamos nisso enquanto tudo ruía, nosso orgulho não deixou que fizéssemos isso.
- Tanto por tão pouco?
- Tão pouco por tanto. Tão pouco amor por muito sofrimento. Tão pouco viver por muito pesar. Tão pouco eu por muito ele. Tão pouco ele por muito eu.
- Águas passadas...
- Elas movem moinhos, não todos, mas movem...