Acordado depois de muito tempo perdido em devaneios sobre o tempo de duração das coisas, em especial dos relacionamentos, eu estava pronto para voltar ao ponto em que parei. Olhei por alguns instantes pela janela, senti a brisa do mar em meu rosto e respirando fundo servi-me de uma dose de conhaque.
Ainda na centésima terceira página, o livro estava muito atrasado e termina-lo era a tarefa a ser realizada naquele momento. Mais uma noite sem dormir, mais uma noite a base de conhaque e energético.
Sete de junho de 1985
“Encontrado morto famoso escritor autor do best seller sobre relacionamentos que trouxe uma nova visão sobre o modo como os casais se relacionavam, mudando a visão que a sociedade tinha a esse respeito. Ele foi encontrado em seu apartamento e a policia trabalha com a hipótese de suicídio.”
Antes de minha morte fui visto completamente embriagado em um bar próximo ao meu apartamento, havia consumido três garrafas de conhaque e algumas tantas latas de energético. Acompanhado de uma mulher muito bela, balbuciava palavras desconexas e em alguns momentos trechos de meu livro mais famoso.
A bela mulher pagou a conta e me levou, pressupõe-se que para casa. Uma ligação anônima trouxe a policia até meu apartamento onde fui encontrado já sem vida e ao meu lado uma arma com duas capsulas defragadas.
O que levaria um famoso escritor como eu, assumidamente alcoólatra a cometer suicídio no momento em que preparava o lançamento de meu mais novo livro? Porque eu tiraria minha própria vida com dois tiros? E quem seria essa misteriosa e bela mulher?
23 de setembro de 1994
“Bate novo recorde de vendas a segunda edição do best seller de relacionamentos mais vendido em todo o mundo. Traduzido para mais de 20 idiomas e lançado em quase todo mundo, a nova edição aborda novos temas a cerca dos relacionamentos. Dado como morto em 1985, o escritor misteriosamente reapareceu cinco anos depois como se nada tivesse acontecido.”
Londres não era a mesma cidade que visitei na minha infância. Não tem mais o mesmo charme e nem o mesmo ar que me fez apaixonar. Passados cincos anos de minha morte, ainda não entendo porque escolhi esta cidade para recomeçar.
O conhaque londrino é horrível e a comida detestável, até o Mac Donald’s é uma solene droga nessa terra da rainha. Não deveria ter voltado à vida nesse lugar, acho que é hora de voltar para o Brasil e para aquele calor insuportável. Não, melhor continuar em Londres, com essa gente aristocrática e sem graça.
Mulheres magras em excesso passam por mim com seus corpos insossos. Homens com ar de burgueses desfilam seus sobretudos e se acham capazes de feitos dignos de 007, deprimentes. Ainda tenho mais trezentas páginas de meu novo livro para terminar e ainda preciso estar as cinco no aeroporto para a tarde de autógrafos na índia. Vida chata demais...
Você, lendo esse texto sem pé e nem cabeça deve estar se perguntando o que cargas d’água está acontecendo e como alguém que é encontrado morto com dois tiros, retorna a vida de uma hora para outra, cinco anos depois.
Não se preocupe, eu não vou perder meu tempo explicando e nem contando a você o que realmente aconteceu, porque nada aconteceu e nem vai acontecer. A história termina aqui. Posso dizer que a bela mulher que me levou de volta ao quarto não era bem uma mulher, assim como eu também não estava lá tão morto assim caído no chão.
Coisas incríveis acontecem quando você se dá conta de como a vida pode ser excitante. Experimente!