sexta-feira, abril 22, 2011

Muitas… Em um conto só

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O primeiro estágio era passar por Adélia. Feito isso tudo estaria resolvido e solucionado em minha vida. O problema era ignorar Adélia, uma mulata criada a leite Ninho e Neston.

O transito não parava para Adélia passar, ele simplesmente deixava de existir. E sim, eu não estou sendo exagerado. E sim, ela é realmente tudo isso e um pouco mais.

Adélia trabalhava em uma repartição publica desde que se formou com dezoito anos em microbiologia. Ela sempre foi boa com formulas e equações complicadas, mas nunca teve saco para aturar o tal “mercado” e por opção mais cômoda, resolveu o seu dilema profissional com um concurso desses da folha dirigida e era feliz depois das três da tarde.

Tive a sorte de dar de cara com Adélia no dia em que precisei de um documento, um desses que não se usa para nada, mas que sempre te pedem quando você vai fazer alguma coisa. Mais uma certidão de que você se deu ao trabalho de enfrentar filas e pegar senha em algum órgão publico. O documento, depois de pronto, me teve nenhuma serventia, mas Adélia, essa sim me ajudou e muito...

Maldito termômetro quebrado que insistia em marcar apenas 35 graus quando era sabido, por quem estava ali debaixo daquele sol de rachar, que a temperatura há muita já passará de 40 graus. Maldito também o vendedor de água mineral que não tinha gelo o suficiente para que seu produto ficasse na temperatura certa, o mais gelado possível.

Só consegui parar de reclamar de tudo quando bati de frente com aquela mulata saída da vintém.

- Pois não em que posso ajudar?

- Se casando comi... Quero dizer, gostaria de saber como eu faço para tirar a certidão especial do protocolo de intenções do número 56789, da sessão quatorze do livro 123, bloco 18?

- Você trouxe os documentos necessários?

- Para o casamen... Perdão, quais documentos?

- Guia de requisição, formulário de controle, identidade original, CPF, comprovante de residência e foto 3x4.

- Hum, me esqueci justamente do comprovante de residência. Pelo tamanho da fila, vou ter de voltar amanhã.

- Sim, pois infelizmente sem o comprovante de residência não vou poder atendê-lo.

- Muito bem. Muito obrigado senhora...? Desculpe-me, mas não sei o seu nome.

- Adélia.

- Muito obrigado então Adélia e meus parabéns. Sei que hoje não é o seu aniversário, ou até mesmo pode ser, mas não tenho como saber. Estou lhe dando os parabéns por ser assim tão linda e atenciosa.

Sai da repartição com um sorriso no rosto. Adélia era linda demais e como eu ia ter de voltar a vê-la, teria pelo menos mais um dia de luz diante daqueles olhos brilhantes. O X da questão era a porra da Alessandra, como eu ia explicar para ela o atraso de mais de duas horas?

Simples o esquema era não me ligar no atraso. Duas horas é muito tempo para todo mundo e de certo Alessandra iria me matar, mas não tive culpa no cartório. Tirando o fato de ter dado bola para Adélia, o resto foi tudo culpa do maldito documento e da fila que me atrasaram.

Alessandra estava me esperando para irmos comprar o seu novo carro. O antigo havia dado perda total no mês anterior e com o recebimento do seguro ela estava indo escolher um novo modelo, mais moderno e potente que o anterior.

Uma morena como Alessandra não andava em qualquer carro, pelo menos no meu, ela sempre entrou e fez outras coisas mais. No caminho fui me lembrando daquela boca macia, dos olhos claros e é claro daquele corpo escultural que só a Alessandra possuía. Quem mais faria o que a Alessandra faz?

- Conta sem pestanejar qual o nome da mulher que te fez chegar aqui depois de duas horas? Fala e não enrola!

- Não tem mulher nenhuma Ale, estava tentando pegar a porra de um documento na repartição publica e você sabe que esses imprestáveis concursados e com emprego fixo te atendem como se estivessem lhe fazendo um favor.

- Ta, sei, já que não quer contar o nome da santa, digo, da puta, deixa para lá que a concessionária deve fechar em breve e quero resolver esse lance do carro logo hoje.

Seguimos então para comprar o bólido e com isso eu ficaria livre para me encontrar com Ângela e namorar um pouco em paz.

Acho que não falei que minha primeira namorada foi a Ângela e depois de muitas idas e vindas, casos e acasos, eis que estávamos juntos de novo. Começamos no colégio, como duas crianças.

Tivemos a nossa primeira vez juntos e descobrimos muitas afinidades. Ângela gostava de rock progressivo e eu de música nacional, ela curtia um vegetal e eu amarradão num boi sangrento. Dava certo porque na cama a química funcionava muito bem.

Depois da Ângela muitas passaram pelo papai, mas só algumas poucas podem dizer que fizeram realmente diferença. A maioria delas apenas fez figuração e encheu lingüiça enquanto eu não arrumava coisa melhor.

Não sou nenhuma coca-cola no deserto, mas faço bem o meu trabalho e cumpro com as minhas obrigações, portanto, acho que por isso é que nunca fiquei a pé.

Ângela dizia me amar e que nunca conseguiu se entregar plenamente para outro que não eu. É claro que eu tinha de acreditar nela, não tinha como duvidar de uma loira estonteante como ela. Era sonhar em duvidar e a imagem daquela bunda redonda me aparecia e eu esquecia todas as bobagens.

Sabe bunda de cinema? Então, a da Ângela era muito melhor... Não era gigante e flácida como as da moda, era no tamanho certo da minha fome, tipo Whopper do Burger king. Assim que eu conheci a Ângela pirei naquele traseiro.

Mas o lance é que ela tinha muitos outros atributos especiais, como o... Bom, ela era legal pacas e o resto são detalhes que acrescentam e só isso já está de bom tamanho.

Peguei a Ângela no trabalho e fomos direto para minha casa. No caminho a senti diferente e não deu outra, antes de chegarmos ela já cantou a pedra, queria terminar.

- A aliança de noivado que eu lhe dei não significa nada?

- Sim, significa que você é um tremendo de um filho da puta que tem a cara de me dar uma aliança num dia e se atracar com outra logo depois.

- Ta falando da Brenda?

- Ah, o nome dela é Brenda? Bom saber que a vagabunda tem nome e que você se lembra dele direitinho.

Bom era saber que a merda já estava feita e que não tinha como dar migué, a Ângela me pegou fazendo um roto-rooter na Brenda. Foi um desentupidor de pia daqueles, mas a Brenda estava há muito tempo pedindo e eu é que dei mole e não calculei o risco da coisa.

- Ângela você vai mesmo esquecer tudo o que vivemos até hoje por conta de apenas um beijo sem importância?

- Sem importância para quem? Para você ou para ela? Para mim tudo acabou, fica com ela. Dá a porra desse anel para ela ou enfia você sabe onde.

Porrada é porrada, tem que saber levar na moral, assimilar o golpe e segurar no semblante. Dar mole nessa hora é que não pode porque se você é homem pega feio ficar pagando para mulher, seja ela a mulher da sua vida ou não.

Feministas de plantão na pista esperando freguês podem me atirar às pedras, mas o discurso é esse e ponto. A Ângela era a mulher com quem eu iria casar, mas ela não me quer mais, vou fazer o que? Migrar para o bar mais próximo para afogar as mágoas em uma garrafa de Black label e tentar esquecer esse dia canino.

Muitas doses depois e com a garrafa ainda pela metade, meus olhos tiveram uma visão meio estranha. Uma deusa de ébano parada a minha frente me encarava como se eu tivesse feito algo de muito, mas muito errado. De fato eu tinha acabado de pisar na bola com a Ângela por causa de um beijo na Brenda, mas será que isso era motivo para essa desconhecida me encarar assim?

De certo havia bebido demais, só podia ser. Brenda era uma ruiva de se tirar o chapéu, mas não era motivo para eu estar sendo tão castigado assim. Sempre tive uma queda por uma ruiva e queria provar um exemplar da espécie.

A Brenda era ruiva original e não de farmácia. Ruivas de fato não se acham na esquina, portanto, na primeira chance que eu tive, não perdoei. Mas essa negra deliciosa na minha frente eu não sabia quem era.

- Bebes com vontade! Ou está feliz porque ganhou alguma coisa ou está afogando as mágoas. Com essa cara de bunda que você está, só pode estar afogando as mágoas. Acertei?

- Depende do ponto de vista, pois nem sempre quando se termina com alguém afogamos as mágoas, muitas vezes comemoramos.

- Com essa cara?

- Nasci com ela, não tinha como comemorar com outra.

- Certo. Desculpe-me pela indelicadeza e pelo abuso de chegar assim, mas não pude deixar de lhe notar da minha mesa e resolvi verificar o que um cara como você faz sozinho com uma garrafa de Black Label a tiracolo.

- Em geral eu sei com quem estou falando...

- Cristina, toda sua.

9 da manhã olhei para o lado e vi aquele pedaço de mulher deitado em seu sono profundo, eu havia feito mais uma vez. Nem me lembrava de como cheguei àquele quarto de motel, mas sabia que a Cristina era boa em cima da cama.

Fizemos horrores enquanto deu e pudemos, depois o sono capotou ambos e dormimos o sono dos justos. Ela mais merecidamente do que eu, pois fiz mais figuração do que outra coisa. Ela era uma fera e eu dei uma de cordeirinho.

Tinha derrubado uma garrafa de Black Label, não podia querer um desempenho avassalador, fiz o que deu e pronto. Pelo que sei não a deixei insatisfeita. Vamos ver se quando ela acordar ainda rola a saideira.

- Cristina são onze da manhã, hora de irmos. Apesar de hoje ser sábado e eu não trabalhar, não planejei passar o dia no motel. Sorry.

- Nossa, o Luiz vai me matar...

- Luiz?

- Ei cara você não ficou achando que íamos casar e ser felizes para sempre...

- É claro que não, mas também não achei que você estivesse dando balão em alguém.

- Não mete essa, vai me dizer que você estava no bar porque foi um santinho com a sua ex.

Cristina era direta e descolada, não tinha tempo ruim e isso me agradou nela. Mas finda a noite, cada um para o seu canto, a deixei em algum lugar e pronto.

Cheguei em casa morto e querendo comer alguma coisa, pedi uma pizza. Foda-se que eram apenas uma da tarde, eu estava com vontade de comer pizza e foi isso mesmo que comi. Pelo menos até o telefone tocar, porque era a Dóris querendo conversar.

Conversa vai, conversa vem e a Dóris não parava de falar do Gustavo, mal é claro, mas não parava. A Flávia estava para chegar e a Dóris me alugando.

Eu pegaria a Dóris fácil se ela não fosse namorada do Gustavo. Ela fazia o tipo mignon e eu gostava desse estilo. Mas a Dóris no fim das contas era mais uma surtada que ficava procurando chifre na cabeça de cavalo.

Interfone tocando, era a Flávia, minha melhor amiga de todos os tempos. Dizem que homem não pode ter amiga mulher, mas a Flávia era diferente, eu já tinha comido, portanto hoje, era só amizade.

Flávia também estava mal, mas apenas pelo porre da noite anterior, ela não estava com nenhuma dor de corno. Até porque uma peça como a Flávia não pode ficar de bode por aí.

Todos os homens babavam nela, eu estava incluído nesse time, mas depois que transamos ficou apenas a amizade. A transa não foi ruim e por conta dela é que criamos essa cumplicidade que nos une até hoje.

Diferentemente da Gisele, que eu comi e ela nunca mais quis olhar na minha cara. No dia eu a mandei para o inferno, mas isso não deveria ter sido motivo para ela me fazer o que fez.

- Detona!

- Ah cara, uma festa de merda. Só tranqueira e bebida de segunda. Tomei todas e fiquei na merda.

- Flavinha você não tem mais idade para essas coisas, depois dos vinte e cinco qualquer excesso detona o paraíba de vez.

- Se você estivesse no meu lugar, teria feito o mesmo. Só assim para segurar aquela festa, mas e você?

- Se eu te contar iá iá, você vai se pasmar. Conheci uma senhora mulata, levei a Ale para trocar de carro, a Ângela acabou comigo por causa da Brenda, fiquei com uma tal de Cristina, aturei encheção de saco da Dóris e agora to aqui.

- Tu também não deixa passar um par de pernas.

- Vai que eu deixo e ela não volta, não posso vacilar.

Tudo tem o seu tempo e o da Gisele foi tão somente o de uma foda mal dada. Mulher chata demais, grudenta e graças a Deus eu percebi logo que não ia rolar o lance. Foi melhor tê-la mandado para o inferno antes que fosse tarde.

O Paulo sempre me perguntava como eu havia deixado a Gisele escapar e eu sempre lhe respondia que se ele quisesse, ela estava à disposição. Ele malandramente nunca quis porque não era bobo. Passarinho que come pedra sabe o cú que tem.

Sete da noite, Flávia já tinha ido curar o seu porre em outras praias, o que sobrou da pizza estava na geladeira e eu meio que ainda sonolento, pensava no que fazer. Abrir uma gelada era uma idéia e foi o que fiz.

Quatro ampolas depois me chega a Glória. Pontualidade sempre foi o forte desse disk sexo em casa e eu, mesmo tendo várias de bobeira na pista, de vez em quando gosto de um serviço mais profissional e sem neuras depois do expediente.

Glória estava com aquela carinha de safada que sempre a caracterizou e ela sabe que eu não resisto. Rasguei suas roupas mesmo antes dela entrar e já fui fazendo o serviço no sofá mesmo, passamos para a cama e de lá fomos experimentando os cômodos da casa.

- Há quanto tempo você não fazia uma boquinha?

- Desde ontem à noite, mas sabe como é, fome não tem hora de chegar

- E que fome...

Glória e eu já tínhamos história, ela trabalhava como prostituta delivery e eu usava de vez em quando seus serviços, de graça é claro. Quando eu ligava ela me dava atendimento especial. Cliente vip tem de ter algumas mordomias nessa vida.

Dizem ser morta a Inês, o velho ditado popular, que para mim, no fim das contas não faz nenhum sentido. Inês está vivinha da silva e está me esperando na boate para dançarmos um pouco.

Relaxar depois de uma sexta caótica e de um sábado intenso era a pedida para a noite. Ia dançar um pouco com a Inês, sem compromisso e depois casa e cama. Não necessariamente sem ou com ela.

- Siliconei gato.

- Perfeito, grandes na medida certa.

- Vê se estão durinhos...

Eu vi e estavam mesmo, um trabalho de mestre. Um dinheiro muito bem gasto.

Conhecia a Inês dos tempos em que ainda fumava e sempre filava o seu cigarro. Ela continua fumando e eu parei há tempos.

Inês sempre foi a mais “moderninha” da turma e nunca ficou se preocupando com bobagens e outras coisas do gênero, quando quis fez as coisas que quis e quando não quis também fez aquilo que quis. O fato é que Inês, contrariando o ditado, dificilmente vai para a cova tão fácil.

Dançamos a noite toda em ritmo alucinante e mesmo já conhecendo a agora peitudinha, sempre me impressionava com a sua disposição. Ela não parava nunca. Eu, pelo contrário, já estava nas últimas e senti que a hora de partir era aquela.

- Inês vou ao bar pegar alguma coisa. Você quer?

- Claro, trás um moreno sarado, mas não coloca adoçante que é coisa de viado e nem açúcar que se não ele pode ficar cheio de frescura...

- E para beber nada?

- Não, vai na fé gato. Mas volta que o DJ hoje está mandando. Possuídão modo ON.

“- Faz uma parada refrescante aí para mim e carrega no gelo.” Foi o que eu pedi ao barman com cara de bolacha que atendia aquela noite.

- Você toma essas coisas quando está sozinho? Mamãe deixa?

Olhei pro lado e vi um monumento parado e me liguei que o bagulho ia ficar doido mais uma vez.

- Sim e também faço mais coisas que a mamãe se estivesse viva, talvez não aprovasse.

Nem perguntei nome, quando ela esboçou uma respostinha padrão mandei um cala boca no melhor estilo “beijo de tirar o fôlego” e resolvi a parada. Nessas horas tem de se pensar rápido e se eu ficasse parado olhando o nada e trocando frases desconexas com ela, ia acabar falando merda e perdendo a gata.

Seu nome era Ivete, igual ao da cantora baiana como deu para perceber, mas ela era bem mais gostosa que a Sangalo. Pensando bem acho que empatava.

Ivete estava curtindo a noite e do nada resolveu puxar papo com o papai aqui e deu no que deu. Estudou filosofia em faculdade católica, comeu muito Globo na areia e puxa ferro até hoje para manter a forma que Deus lhe deu. Só mora na Barra porque não suporta a pasmaceira da zona sul.

Madrugada de domingo, a Inês na pista se acabando de dançar e talvez me esperando levar o moreno que ela pediu e eu aqui dando uns lances na Ivete. Noite mais ou menos essa... Deus nesses últimos dias tem sido bem maneiro comigo. Melhor aproveitar enquanto ele está de bom humor.

- Surreal a parada e o lance é que as ondas são as mesmas desde 1984. Sabe aquela coisa que você acha que vai parar e não para?

- Então você está me dizendo que desde 84 que as ondas estão na mesma freqüência. Tipo lata padrão de coca-cola

- Tipo coisa melhor porque o mar, é o mar.

Esqueci de falar, mas ela também era surfista. Rata de praia da Macumba.

Peguei a Ivete pelo braço e me joguei na pista atrás da Inês. Apresentações feitas, elas se deram super bem e a noite estava apenas esquentando...

Contemplação

Peladão na porta do quarto vendo Inês e Ivete dormindo abraçadinhas. Meio dia de domingo e depois de um inesperado ménage, a imagem das duas ali era a prova cabal da existência de Deus ou de algo que me queria muito bem.

Eu nem precisava roubar um cigarro da Inês e matar as saudades do vicio, mas o que fazer diante de uma cena tão contemplativa como aquela, uma baforada apenas não me faria mal. Uma dose de uísque também vai bem para acompanhar, mas depois de dois dias na bagaceira do álcool, fui só de cigarro mesmo.

Deixei as meninas dormindo porque a fome bateu e fui catar recheio para a barriga. Vou mandar uma massa porque assim quando elas acordarem já vão estar na fome mesmo e tudo se resolve.

- Que noite hein...

- Nem me lembro como saímos da boate, eu estava meio mal com aquela tal bebida refrescante que você pediu.

- Nem foi Ivete, você ficou mal foi de tanto dançar e achar que o mundo ia acabar.

- É, mas a Inês estava tão frenética na pista que eu tentei acompanhar.

- Eu? Frenética? Você não me conhece gata, aquilo foi a metade do que eu posso produzir. Se o DJ não for um martelo daqueles que deixam a gente pregada na pista, eu vou à lua e volto.

- Eu que sou eu, nunca consegui acompanhar esse pique da Inês para dançar.

- Esse macarrão é safado, mas com a fome que eu estou, comeria até areia da praia com água do mar sem reclamar.

- Então porque ta reclamando do macarrão? Come, repõe as energias que eu vou deixar as madames em casa.

- E a nossa saideira?

Vai vendo... Lá fomos nós para cama de novo.

Depois deixei cada uma no seu respectivo lar, peguei os contatos da Ivete e já agendei para a semana que vem. É sempre bom ter uma engatilhada para não correr o risco de ficar na pista à toa no final de semana.

Oito da noite sempre bate aquela deprê no domingo, entra a musiquinha do fantástico e você se lembra que amanhã é segunda e o mundo vai girar de novo naquela velocidade chata. Não tem jeito, é sempre segunda, terça, quarta e a mesma lenga lenga. De diferente só mesmo a Lígia, a estagiária de 18 aninhos lá do trabalho.

Nunca fui muito de menina novinha, mas a Lígia tem cara de quem sabe das coisas e aí eu pensei: “Porque não?”

Primeiro estou cercando o terreno, avaliando a estrutura e preparando o bote. Pelo pouco que conversamos na semana passada e pelo tamanho da sua saia, acho que vai rolar tranqüilo.

Fomos almoçar todos juntos no japonês do outro lado da rua, a turma do trabalho faz da hora do almoço um momento cheio de diversão e muito falatório. Era no almoço que malhávamos os políticos, o perna de pau do time, elogiávamos a gostosa da TV e é claro, comiamos e bem.

Eu já estava de olho na Lígia faz um tempo, desde que ela aportou no escritório para ser estagiária do Marques, o gordo do oitavo andar é que eu me liguei que aqueles olhinhos fechados tinham de ser apreciados mais de perto.

Nunca fui muito de nipônicas e congêneres, mas mulher é mulher e como diz o meu amigo Abreu, caiu na área é pênalti.

Lance melhor que a Lígia somente a Lílian e com ela, a porca torcia o rabo porque ela nunca foi de me dar confiança, o que dirá outras coisas mais. Nem babava em cima da carniça porque não sou de ficar valorizando mercadoria, mesmo ela merecendo. Isso é o que fazia a nossa intenção de relação ficar mais forte.

Eu queria, mas fazia que não queria. Ela já sabia da minha fama e fingia que não sabia ou que não estava doida para tirar a dos nove. Jogo de gato e rato é para os fracos.

Em uma certa idade você perde o direito de ficar fazendo joguinhos e ceninhas, você tem que ser reto e direto, quem faz curva é o vento. As mulheres não têm mais paciência para aturar barbado de frescurinha. Ou você é ou passa a vez para outro mais competente.

A Lígia, apesar de novinha já sabia disso e quando eu coloquei a mão na perna dela, na maior cara de pau mesmo, no meio do restaurante, ela apenas alertou:

- Não comece aquilo que não pode terminar!

Se a copiadora do quinto andar pudesse falar, descreveria a foda mais visceral que eu já tive nos últimos tempos. Tenho de me lembrar sempre, a partir de agora, que comida japonesa dá um tesão da porra.

Na minha cabeça veio o filme inteiro de todas as loucuras que eu fiz nos últimos dias e mesmo tenho dado duas maravilhosas com a Inês e a Ivete juntas, a Lígia no alto dos seus dezoito aninhos, fez as duas parecerem freiras do convento mais próximo.

Flexibilidade para alcançar os lugares mais inusitados é a chave da coisa toda e quando você tem apenas dezoito anos e um corpinho preparado, tudo fica mais fácil. Nem fiquei tentando imaginar como ela fazia aquilo, apenas curti o lance e me preocupei em não deixar a peteca cair.

Toda a empresa devia adotar a transa vespertina. Depois do almoço, você dá aquela relaxada e trabalha com dez vezes mais disposição e energia. O stress vai todo embora, a pele fica renovada e o sorriso no rosto transforma o ambiente.

- Lílian! Tem um segundo?

Comer a estagiária me deu animo para vôos mais altos, hoje eu vou passar a Lílian.

Fim do expediente, mas não fim da segunda-feira. Fim da jornada de trabalho, mas não fim do dia.

A Lílian esquece. Cantei a pedra, joguei a minha cantada mais barata e vagabunda, crente que ia colar e nada. Dei com os burros na água. Acontece, não se ganha todas.

- Alô Maíra? Tá sem fazer nada ou está sem nada fazer?

- Estava apenas esperando uma ligação como essa. Manda o local e a hora.

- Sua casa agora, abre a porta. Trouxe cerveja, prepara os petiscos.

Quando me separei da Ângela pela primeira vez a Maíra foi quem me consolou, mas não teve nada de sexo na história. Diferentemente da Flávia que eu peguei e depois fiquei amigo, com a Maíra não rolou nada, a gente bebia sem compromisso e falava merda. Apenas isso.

Contei para ela o lance da Lígia, o fora da Lílian e enquanto ela cortava uns queijos fedidos na cozinha, ouvíamos um pouco de Chat Baker. Mesmo cansado da segunda feira, eu tinha de sair para jogar conversa foram com alguém.

No sábado eu tentei fazer isso com a Inês, mas acabei na cama com ela e com a Ivete. Com a Maíra, como isso não ia acontecer, apenas jogávamos conversa fora.

- Onde você arruma tanta disposição? Quando eu crescer quero um fígado desses para mim. Você passou o fim de semana inteiro bebendo e ainda consegue mais em plena segunda-feira.

- Desencanei desse lance de chegar todo inteiro no céu. Não sei a vibe que rola lá, portanto vou gastar o que eu posso aqui e chegando lá eu vejo o que dá para aproveitar.

- Mas e aí, vai ficar fazendo lanchinho com a estagiária ou pagar de namoradinho da criança?

- Nem um nem outro, já mandei passear e ela é uma menina esperta, sacou que o lance era apenas tesão do momento.

- Por isso que estou sozinha, dar de frente com um cara do seu naipe, que só pensa no próprio prazer não faz o meu estilo.

- Para de palhaçada Maíra e vai dar esse lombo por aí que você ganha mais.

Ela morou dois anos em Amsterdã e três em Londres, conhecia a vida lá fora e achava o Brasil um lugarzinho bosta para se viver. A família, sempre ela, tanto fez que ela voltou. Já estava planejando a nova aventura, dessa vez no Canadá e me dizia que dessa vez era para nunca mais por os pés aqui.

Formada em culinária nunca colocou os pés em uma cozinha que não fosse a sua. Na casa dos amigos, se limitava a dizer que faltava isso ou aquilo nos pratos, mas nunca quis cozinhar para ninguém e nem ser banqueteira de marmanjo. Tai, Maíra é que era esperta, vivia a life sem se preocupar e ainda arrumava tempo para perder comigo.

Interfone tocando. Visita de última hora na casa da Maíra, às dez da noite de segunda? Qual pobre alma estaria perdida na rua em uma noite dessas?

- Marisa sou suspeito para falar, mas se você gostasse da coisa, essa casa ia tremer.

- Ia tremer com você dando uma de otário. Você sabe que meu lance é o mesmo que o seu ou você acha que as rachadinhas do mundo são todas suas.

Marisa é irmã da Maíra e se enveredou por caminhos opostos. Gostava mesmo era de mulher, mas não se enquadrava e nem suportava o cenário lésbico atual. Dizia ser muito careta para essas coisas de tribo e grupinho fechado.

Adorava um barzinho com os amigos e as amigas. Paquerava normalmente sem a menor preocupação e quase sempre se dava bem. O lance dela não ficar restrita a ambientes tidos como “ideais”, fazia o seu campo de ação bem maior.

Sempre que podia eu colocava uma pilha, quem sabe não colava e eu descolava a Marisa. Difícil eu sei, mas não impossível.

Meia noite larguei as duas e fui dormir porque elas não faziam porra nenhuma no dia seguinte, mas eu tinha de estar no escritório as nove em ponto. Reunião de orçamento em plena terça feira, ninguém merece.

Quem sabe não era uma punição por ter comido a estagiária? Mesmo se fosse, eu comeria de novo assim mesmo. Valeu muito à pena.

Pequenos atos de loucura cometidos em meio ao caos cotidiano transformam a vida em algo lúdico demais para ser sentido. Pequenos atos de loucura são a nossa fuga das transformações pelas quais passamos todos os dias.

Neide sempre lutou contra isso e contra todos os que insistiram e conseguiram interná-la no melhor hospital psiquiátrico do país. Ela não sofria de esquizofrenia e muito menos era louca, mas eles achavam que sim e por isso ela foi parar lá.

Sem direito de defesa e nem chances de reclamação, ela apenas foi jogada lá no meio dos outros malucos e tinha tudo para surtar como eles. Mas pelo contrário, se comportou como uma boa moça tomou todos os remédios tarja preta que lhe davam e depois de três anos trancada viu a luz do sol pela janela do carro de seus pais.

Nunca mais foi a mesma. Passou a usar maconha e dela para o crack foi um pulo, não passou pela cocaína, foi direto ao mais forte e nocivo. Não sei como não se viciou em nenhuma dessas drogas

Fugiu de casa seis meses depois e nunca mais foi vista, pelo menos não por aqueles que ela não queria que a vissem. A encontrei em saquarema, sentada em uma calçada recitando um poema para dois cachorros vira latas e com um sorriso arrebatador.

Não ousei interromper o momento, apenas fiquei de longe observando e quando me dei por satisfeito, segui em frente com a certeza de que louco éramos nós que não compreendíamos a beleza das coisas simples.

A hora certa

- Pedra, papel e tesoura.

- Papel e coca-cola. Papel para escrever e coca-cola para beber. O que mais?

- Tesoura para cortar o seu papel e um bom baseado para passar o tempo.

O que eu tinha de indefinição a Pietra tinha de certeza. Ela sabia que a terra sempre estaria a girar e que portanto a pressa era desnecessária. Ficávamos horas na beira da praia olhando o mar sem fazer mais nada.

Advogada das boas, Pietra nunca perdeu uma causa sequer. Só pegava as maiores roubadas, mas sempre se deu bem no seu oficio. Estava cansada da vida de tribunais, mas sabia que ainda tinha muitos anos de batente pela frente.

- A terra está parando de girar, preciso começar a acelerar.

- O que ta rolando, você nunca foi de se preocupar com o tempo?

- E nem vai ser agora que vou mudar, mas ele passa mesmo assim e não posso ver as coisas acontecerem e achar que tal e qual as ondas, tudo voltará como antes.

Mais uma alma perdida para os efeitos biológicos da mãe natureza, com trinta anos Pietra queria ser mãe e quando uma mulher chega nesse estágio da vida, não tem jeito. Ela agora ia começar a pensar em todas aquelas coisas que toda mulher pensa nesse estágio.

Sorte dela o Renato também estar na mesma sintonia e sorte do melequento que ia nascer por ter uma mãe tão boa gente como a Pietra.

Por instantes, perdido em meus pensamentos, comecei a me lembrar de uma canção do Rogê e conseqüentemente da Priscila.

“Eu não preciso do seu sorriso, do jeito de
Ser, de você, dos seus defeitos, tão perfeitos
Pra esquecer, pare de me procurar, não perca
Tempo, pare de querer saber, estou por dentro,
E você já vacilou comigo, e você não me deixou
Saída, sem amor

Passou, primavera veio e o inverno foi, saí,
Da teia que você fiou, passou, a primavera veio e
O inverno foi, saí da teia que você fiou.”

Livre

O primeiro passo de um homem rumo a sua liberdade é ser ele mesmo em todos os momentos e o de uma mulher é ser ela mesma em todos os momentos. Igual? Não. Diferente na forma e no conceito.

Ser você mesmo implica em uma série de coisas das quais você vai ter que abdicar e num monte de gente que vai lhe deixar pelo caminho por ser franco demais, engraçado em excesso ou até extremamente depressivo. Mas quer saber, é bom para caralho ligar o foda-se de vez em quando e apenas ir.

Falei da Raquel para vocês? Não? Então fiz bem.

Vai ser bonita assim lá longe. A beleza da Raquel podia ser vista a quilômetros de distância e mesmo sem nenhum tipo de acessório extra, além daqueles que Deus lhe deu, ela continuava linda.

Foi modelo de capa de revista e recepcionista de convenção. Já bateu ponto de aeromoça, fez freela de atriz e hoje está morando com um velhote rico que paga as despesas e coloca a mesa.

Rita seguia pelo mesmo caminho de Raquel, nunca quis nada com o estudo e só porque se achava a última bolacha do pacote resolveu que assim seria mais feliz.

Não passou no teste para coleguinha do Luciano Huck e desistiu de dar para mim na porta do motel. Eu esbravejei é claro, mas depois a mandei a merda e ficou tudo certo. Terminamos a noite tomando chopp no Amarelinho e rindo muito de tudo aquilo.

- Nunca fui santa, mas nunca fui puta. Fico ali no meio termo, faço as minhas merdas me arrependo, mas depois começa tudo de novo. É um dia após o outro e assim vou levando.

- Hoje fez a santa comigo.

- Não, sei lá, não pintou o clima. Sabe o lance da química? Eu não acredito nessa porra, mas vai que é verdade e a gente não combina lá dentro.

- O que?

- Me empresta algum e para de choro. Na outra semana não que vou estar naqueles dias, mas na próxima me liga e vemos o que dá para fazer.

Silvia estava no mesmo lugar há mais de vinte anos e ninguém se atrevia a toca-la ou fazer qualquer tipo de observação. Marfim, pedra de sal, mármore e granito. Jóia rara.

Cara de se ter, fácil de achar. Sem frescuras e invencionices, apenas junto com você onde der e você quiser. Mais do mesmo do lugar comum das coisas frívolas do dia a dia.

Mulher sem fases e de muitas frases, todas de efeito e com jeito de mal feitas. Todas saídas de seus lábios molhados.

Passou por mim duas vezes e nas duas, nos cruzamos apenas pelo olhar e nada mais. A sintonia era meramente ilustrativa. Figurinha carimbada de álbum da copa perde.

E como sorri gostoso...

E as palavras não saem mais. Como descrever Tais se a inspiração não vem?

E pensar que depois dela ainda tenho mais duas para decifrar, mas cadê o raio da vontade de escrever que não aparece, cadê a tal da inspiração que não chega rápido.

Aí acabo escrevendo qualquer coisa sem nexo e muito sentido, lanço no ar e depois me surpreendo com o resultado. Será que a Tais vai gostar? Será que ela vai ler? Será que ela existe?

Perguntas soltas no ar ficam sempre sem resposta. Tais dá um desconto e perdoa esse pobre escriba sem tesão para te decifrar.

Disse isso do mesmo modo em que abri a geladeira e devorei o que vi pela frente. Tais de certo compreenderia o que eu estava dizendo ou tentando escrever. Pelo menos ela era menos radical do que a Vanda, que só queria um casamento tranqüilo. Entrar de branco na igreja, dar dois beijos no seu pai, um na sua mãe e mandar o Arlindo a merda.

Peixão como muitos diziam, Vanda não era a certinha de Jacarepaguá e muito menos a revoltada da Urca, era apenas uma mulher como todas as outras com seus sonhos e suas aspirações.

Paixões diversas passaram por ela e estavam prestes a pertuba-la logo no dia do seu casamento. Ela não perdeu tempo, tirou fora aquele vestido careta e sem graça, entrou nua na igreja, deu um beijão na boca do padre e disse sim para o José Carlos, padrinho de casamento deles.

O Arlindo quis briga. O José Carlos queria beijar a noiva. Os convidados queriam festa. Vanda queria era mais que o circo incendiasse e no fim todos foram infelizes para sempre.

Histórias de amor assim me fazem lembrar da Yasmin e de como fiquei de quatro por ela.

Vai tirar alguém assim do sério por nove meses lá em casa. Nove primaveras depois, Yasmin era a mesma de sempre e continuaria sendo. Mulher como ela existiam várias, mas poucas em condições de fazer o que ela fazia com a maior maestria.

O fim da noite já dizia e me mostrava o que estava por vir, o fim de um dia estranho e sem graça. O fim de um dia cinzento e tempestuoso.

As coisas vão acontecendo e não percebemos que o tempo passa depressa e mais rápido do que podemos sentir ou prever. O tempo é cruel com tudo e com todos.

Yasmin depois de anos ainda conservava o mesmo olhar distante e a mesma vontade de ser o que nunca havia sido.

Findo o dia, finda a noite. E a alegria invade os corações, em maior ou em menor escala. Histórias de amor não têm milagres, elas apenas acontecem.

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